A administração pública é uma das maiores credoras de recebíveis da economia nacional, em grande medida, de créditos tributários. Dessa forma, ideia de antecipar receitas por meio da cessão de recebíveis é conhecida e utilizada, agindo como transformação de um fluxo de pagamento em títulos negociáveis no mercado para aquisição dos investidores.
A administração pública é uma das maiores credoras de recebíveis da
economia nacional, em grande medida, de créditos tributários, mas contemplando expressiva carteira de não tributários (a exemplo de multas, royalties, outorgas de concessões). As estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reafirmam essa realidade. O relatório Justiça em Números 2021, principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário, consolida esse entendimento, apontando para a expressiva quantidade de execuções fiscais nos Tribunais Estaduais.
A administração pública é uma das maiores credoras de recebíveis, em grande medida, de créditos tributários No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, as execuções fiscais representam 58,5% do acervo de primeiro grau, sendo que, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), importam 56,2% do acervo de instância singular.
Apenas em São Paulo são 11 milhões de execuções fiscais pendentes.
Igualmente é relevante destacar que, segundo o CNJ, no ano de 2020 observou-se uma diminuição severa de execuções iniciadas (29% em relação ao ano anterior), o que revela o forte impacto da pandemia em sua judicialização.
O relatório do CNJ aponta, ainda, que “desconsiderando esses processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia para 66,9%, ou seja, a cada 100 processos que tramitaram em 2020, 66 teriam continuado pendentes”. Destaque-se que os recebíveis não se resumem à dívida ativa, mas englobam royalties, outorgas de concessões, multas e outras modalidades de crédito, além, evidentemente das dívidas tributárias.
Por outro lado, a carência de recursos públicos é crônica e notória: não há recursos suficientes para implementar as políticas públicas tão prementes e necessárias à coletividade, a exemplo de investimentos em provisão de serviços públicos e infraestrutura, como saneamento básico, mobilidade urbana, habitação e educação.
Também são sazonais os movimentos pela “mora constitucional”, que retarda o pagamento das dívidas judiciais da administração pública como já ocorreu com as Emendas Constitucionais 30 e 62, as quais postergaram o pagamento de precatórios por dez anos. Atualmente, alardeada pelo Ministério da Economia em nova proposta, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como “PEC dos Precatórios”, submetida à aprovação em segundo turno.
Nesse contexto, a possibilidade de securitização de recebíveis da administração pública apresenta-se como uma alternativa eficiente, e muito mais razoável do que retardar
o desenvolvimento e implementação de políticas públicas ou, simplesmente, deixar de honrar com o pagamento de precatórios, como sói ocorrer diuturnamente.
Afinal, o que é antecipação de recebíveis? Apesar do nome complicado, a antecipação de recebíveis tem um significado bem simples: trata-se de uma linha de crédito que permite que as empresas adiantem o recebimento de suas vendas. Assim, elas podem usar no presente um dinheiro que só chegaria no futuro.
Quando o consumidor compra um produto e decide parcelar o pagamento em três vezes, por exemplo, o proprietário do estabelecimento pode levar até 90 dias para receber o valor total da venda. Ao contratar uma antecipação, ele pode receber o dinheiro em poucos dias.
A antecipação de recebíveis também é chamada de adiantamento de recebíveis ou desconto de duplicatas. Mas essa facilidade tem um preço: as instituições financeiras que oferecem antecipação de recebíveis cobram taxas sobre o valor adiantado às empresas para, então, assumirem a responsabilidade pelo recebimento futuro dos títulos negociados.
Como funciona a antecipação de recebíveis? O processo de adiantamento de recebíveis sofre algumas mudanças de uma instituição para outra, mas normalmente passa pelas seguintes etapas: o empresário interessado em adiantar os seus recebimentos entra em contato com o banco ou fintech que oferece essa modalidade de crédito e conhece as condições envolvidas na transação.
A operação deve ser transparente: a instituição financeira precisa informar ao solicitante as taxas de juros que serão descontadas do valor antecipado e o prazo para que o dinheiro fique disponível na conta do empresário. Em seguida, ele escolhe quais notas deseja adiantar e faz o pedido de antecipação de recebíveis online. Além de parcelas de cartão de crédito, a instituição financeira pode antecipar o pagamento de cheques pré-datados e duplicatas e assume o recebimento dos títulos que foram adiantados.
Quais são as vantagens do adiantamento de recebíveis? A antecipação de recebíveis apresenta algumas vantagens em relação a outras linhas de crédito disponíveis no mercado. As taxas de juros também são definidas de acordo com o perfil financeiro do solicitante, mas costumam ser mais baixas do que as cobradas pelos bancos no rotativo do cartão de crédito e no cheque especial, por exemplo.
Isso porque, como o dinheiro pago antecipadamente pela instituição financeira tem origem em uma venda já realizada, o risco de inadimplência é menor do que nas modalidades anteriores.
Não se pode deixar de ponderar que para a estruturação do modelo de cessão de direitos creditórios, envolvendo operação financeira de antecipação de receitas futuras, consoante a Lei de Responsabilidade Fiscal, deve ser precedida de autorização legal específica (uma vez que o negócio jurídico implica na transferência da propriedade dos recebíveis, que se constituem em bens do patrimônio público), bem como de licitação entre instituições financeiras reguladas pelo Banco Central (Bacen) ou fundos constituídos de acordo com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Já existem alguns instrumentos normativos autorizativos, a exemplo dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Todavia os modelos existentes restringiram a securitização a fundos administrados pelo Banco do Brasil.
Encontra-se tramitando na Câmara dos Deputados, após aprovação no Plenário do Senado, o Projeto de Lei nº 204/2016, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), visando permitir aos entes da federação ceder direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, inscritos ou não em dívida ativa, a pessoas jurídicas de direito privado, sem que tais cessões se constituam compromissos de pagamento futuro pelo ente público, prevendo, explicitamente, que se observem as condições estabelecidas sem qualquer ônus futuro.
Como se lê da exposição de motivos do PL nº 204/2016 a medida visa “a obtenção de caixa com a venda de direitos que, hoje, não têm liquidez (…) vantagem crucial nesse momento de queda significativa da arrecadação”. A motivação do projeto de lei de 2016 permanece a mesma e, hoje, extremamente relevante, após o trauma social e econômico causado pela covid-19, cujas consequências para as finanças públicas são ainda imensuráveis, mas seguramente nefastas. Na ordem do dia, são popularizadas as expressões como “crise fiscal”, “parcelamento de precatórios” ou “flexibilização do teto de
endividamento público”.
Vê-se, portanto, que securitização de ativos públicos é uma solução muito eficiente e, pelas razões acima expostas, aguarda-se, ansiosamente, a formatação legislativa que conceda segurança jurídica para a ampliação do mercado “securitizador”, com a captação de recursos financeiros que viabilizem a solução de diversos impasses essenciais à implementação de políticas públicas focadas no desenvolvimento e resgate econômico.
Setor Jurídico
Fonte: Valor.globo.com/legislação/noticia/09/11/2021